O pato e a coruja - Hanna Johansen
Era uma vez uma bétula que se erguia no meio de um prado.
Mesmo à beirinha do prado cintilava um charco onde um pato nadava em círculo, mergulhando o bico de vez em quando.
O pato subiu para terra, sacudiu-se e olhou para o cimo da árvore.
Após ter olhado algum tempo, gritou:
— Eh, tu, aí em cima!
— Uhm — resmungou uma voz lá em cima, na bétula.
— És uma coruja a sério? — pergunta o pato.
— Uhm.
— Ora chega cá abaixo — gritou o pato.
— Uhm — resmungou a coruja a bocejar. E esvoaçou para o chão.
— Oh! — disse o pato. — Nunca pensei que uma coruja tivesse asas tão bonitas.
— Uhm — tornou a coruja, contente por o pato achar bonitas as suas asas.
— Porque é que estás sempre a dizer Uhm? Não sabes dizer mais nada?
— Claro que sei — disse a coruja — mas não me apetece. Estava a dormir.
— Oh, meu Deus! — exclamou o pato. — Como é que tu consegues dormir em pleno dia? Ninguém consegue!
— Não percebo o que queres dizer — respondeu a coruja. — Durmo sempre de dia.
— Isso é esquisito — disse o pato. — De noite é que se dorme.
— Dormir de noite, dizes tu? De forma alguma! A noite é demasiado excitante para ser gasta a dormir. É quando está escuro, é quando se arregalam bem os olhos, e se espera que passe alguma coisa que se possa comer.
— Não estás boa da cabeça! — disse o pato. — A comida não passa. Tem de se nadar, mergulhar e procurar até encontrar.
— Que forma mais disparatada de comer! — murmurou a coruja.
O pato zangou-se.
— Não é nada disparatada, é o normal! — disse, furioso.
— Não estás bom da cabeça! — respondeu a coruja. — Normal é pairar às escuras no bosque sem fazer barulho. E, então, quando algum animalzinho se mexer nas folhas secas, caímos-lhe em cima rapidamente e comemo-lo.
— Que horror! — gritou o pato. — Só de pensar nisso fico logo enjoado.
— E tu, o que é que comes? — berrou a coruja, que também estava zangada. — Comes alpista para patos. Que nojo! Até fico enjoada! E como é que se consegue comer durante o dia!
O pato até assobiou de raiva.
— Fica a saber que é de dia que se come! Todos fazem isso!
— Ora, ninguém faz isso! — gritou a coruja. — Quando fica escuro é que se tem fome a sério.
— Isso é uma estupidez! — grasnou o pato — Estupidez, estupidez, estupidez!!
E ali estavam os dois no meio do prado a discutir.
A coruja abriu e fechou o bico um par de vezes como se estivesse a pensar, e depois sacudiu-se.
— Ó pato — perguntou a coruja — afinal porque é estamos a discutir? Ainda te lembras porque é que começámos?
— Claro — responde o pato. — Porque tu fazes tudo mal. É por isso…
— Não é verdade — disse a coruja. — Eu não faço nada errado. Faço é de maneira diferente, e, assim, também dá. Faço como fazem todas as corujas.
— E eu faço como fazem todos os patos. Tens razão. Não é preciso discutir por causa disso.
“Ah”, pensava a coruja para si, “por sinal, até gosto do pato. Tem uma maneira esquisita de ver as coisas, mas será que, apesar disso, não podemos ser amigos?…”
— Mas que pés esquisitos tu tens! — observou a coruja.
— Não são esquisitos — responde o pato — são práticos. São para nadar.
— Para nadar, talvez sejam bons — opinou a coruja. — Quando se gosta de nadar. E, vendo melhor, até os acho bonitos.
— A sério? — sussurrou o pato.
— Anda comigo — disse a coruja de seguida— já me doem as pernas de estar aqui em baixo. Vamos pôr-nos confortáveis, em cima da bétula.
— O quê? — perguntou o pato.
— Vamos voar lá para cima — responde a coruja. — Em cima das árvores está-se melhor.
O pato nunca na vida tinha pousado numa árvore, mas se isso dava alegria à coruja, quis experimentar.
— Como queiras — respondeu.
E voaram os dois lá para cima; instalaram-se num ramo de onde podiam ver tudo em redor.
— Aqui tem-se melhores vistas — disse a coruja satisfeita.
— Bem… — murmurou o pato.
Olhava para o prado e para o charco onde o sol reluzia. Não gostou mesmo nada de pousar tão alto em cima de uma árvore. Esteve o tempo todo com medo de cair.
— Isto aqui não é bom — disse ele para a coruja. — Vamos antes nadar para o lago.
— Deves ter ficado maluco, de certeza! — gritou a coruja. — Para a água? Mas tu queres matar-me?
— Não te exaltes! — disse o pato. — Se queres, sentamo-nos então outra vez na erva. Vocês, corujas, são demasiado estúpidas para nadarem.
— E vocês, patos, são tão estúpidos que nem sabem pousar numa árvore!
— Oh, meu Deus — disse o pato. — Lá estamos nós a discutir outra vez.
— É porque tu começas sempre — retorquiu a coruja.
— Isso não é verdade — berrou o pato, furioso. — Não fui eu, tu é que começaste!
— Não, foste tu! — gritou a coruja.
— Ei, porque é que estás a gritar assim? — disse o pato.
— Eu não estou a gritar, tu é que estás! — disse a coruja.
— Não, tu é que estás!
— Oh, meu Deus! — disse a coruja. — Basta! Porque é que só sabemos discutir um com o outro?
— Porque tu fazes tudo errado.
— Eu não! — disse a coruja. — Tu é que fazes!
— Não, tu é que fazes! — disse o pato.
— Mas isso não tem importância. — disse a coruja. — Não é preciso discutir por uma coisa dessas.
O pato pensou melhor e disse:
— Também acho, não é preciso discutir por isso. Mas, olha, quem é que começa sempre?
— Eu acho que és tu.
— Não deves estar boa da cabeça — disse o pato. — Tu é que começas sempre!
— Uhm — disse a coruja — às vezes começo eu e tu imitas-me em seguida.
— Eu? — gritou o pato e bateu as asas com força.
— Não faças tanto vento — disse a coruja. — Queres que eu caia daqui a baixo?
— Pronto, está bem — diz o pato. — Mas se queres que sejamos
amigos, tens de acabar com a discussão.
— Pára tu! — disse a coruja.
Então o pato começou a rir e disse:
— Basta! Além disso, estou a ficar com fome. E a fome deixa-me impaciente. Vou mas é procurar alguma coisa para comer.
— E eu estou cansada. E sempre que fico cansada, fico zangada. Agora vou mas é dormir.
O pato voou para baixo. Aterrou no lago, voltou-se, olhou para cima e gritou:
— Então adeus, coruja. Dorme bem.
— Uhm — respondeu a coruja, sonolenta. — Dorme tu também, pato.
Já tinha os olhos quase a fecharem-se.
— Ah, é verdade — disse de seguida — tu não dormes. Só dormes quando fizer escuro. Bom dia para ti, pato. E até à próxima!
Hanna Johansen
Die Ente und die Eule
Zürich, Nagel & Kimche, 1988
Adaptado