A violência no mundo moderno - I - Friedrich Hacker
Friedrich Hacker
Agressividade – a violência do mundo moderno
Lisboa, Livraria Bertrand, 1972
(excertos)
CALLEY: «TU MATARÁS»
No mesmo dia em que em Los Angeles Manson e os seus amigos foram condenados à morte, um júri constituído por seis oficiais do exército dos Estados Unidos, reunidos no Forte Benning, declarou o tenente William (Rusty) Calley culpado do assassínio premeditado de vinte e dois civis vietnamitas e condenou-o a prisão perpétua.
Depois de escutar a sentença e ainda antes de ser levado, o tenente Calley conseguiu ainda ter coragem para fazer a saudação militar. Nesse momento, desencadeou-se uma tempestade de indignação entre as pessoas que assistiam, uma indignação não contra os actos do tenente, mas contra a condenação que o atingia. No dia posterior ao do julgamento chegaram cem mil telegramas à Casa Branca: eram cem contra um a favor de Calley. Colocaram-se bandeiras americanas a meia haste em sinal de luto e de vergonha. O governador do estado de Indiana, Edgar Witcomb, veterano da Segunda Guerra Mundial, decretou luto público. Lester Maddox, vice-governador da Geórgia, assumiu um tom patético no decurso de uma conferência em que se reclamou a libertação de Calley em grandes gritos: «Deus abençoe o tenente Calley, que lutou pela causa da nação.» George Wallace, ex-candidato à presidência e actual governador do Alabama, declarou que considerava uma honra ter apertado a mão ao tenente Calley, a quem fizera uma visita espectacular. Tudo porque as vítimas do Vietname, inclusive civis, mulheres e crianças, tinham sido mortas para destruir o comunismo. Foi composto um hino guerreiro sobre o caso, cuja primeira estrofe é a seguinte: «O meu nome é William Calley, sou um soldado deste país que jurei cumprir o meu dever e vencer, mas chamaram-me um canalha...» Em três dias venderam-se cem mil discos e numa semana um milhão. As associações de veteranos recolheram somas enormes para Calley e transmitiram-lhe mensagens de simpatia. As antenas dos carros ostentavam folhetos que pediam a libertação de Calley. Milhares de homens foram apresentar-se às autoridades militares e acusaram-se de ter cometido crimes análogos. O «Diabo Verde», Robert Marasko, comovido pela condenação de Calley, decidiu anunciar na televisão que matara recentemente um espião do Vietname do Sul por ordem da C. I. A. Era assim e não podia fazer nada mais do que confessar. Os jornais declararam luto. O reverendo Michael Lord viu o reviver da paixão de Cristo no caso Calley. Declarou publicamente: «Há dois mil anos crucificaram um homem chamado Jesus Cristo; não acho que tenham necessidade de uma nova crucificação.» Uma indagação junto do público revelou que oito em cada nove americanos consideravam a condenação de Calley injusta.
O presidente dos Estados Unidos passou uma noite em claro e, depois, decidiu fazer sair Calley da prisão e mandá-lo para casa sob vigia. Declarou que, na sua qualidade de chefe supremo do exército, se reservava a última decisão sobre o assunto, dado que todos os meios judiciais estavam esgotados. Os militares responsáveis — não falo dos acusados, mas dos seus juízes — viram-se objecto de insultos sistemáticos. As famílias foram alvo de calúnias e ameaças e a polícia teve de as tomar à sua guarda. Depois de subtraídos à reclusão imposta ao júri, os dignos oficiais não entendiam a emoção geral.
Há anos a jurisdição militar tinha condenado, sem que por isso se tornasse objecto da atenção pública, algumas dezenas de soldados e oficiais por crimes análogos, se bem que não de tanta carnificina, cometidos em operações no Vietname. O facto não despertara interesse nem causara objecções.
continuação: A violência no mundo moderno - II
Depois de escutar a sentença e ainda antes de ser levado, o tenente Calley conseguiu ainda ter coragem para fazer a saudação militar. Nesse momento, desencadeou-se uma tempestade de indignação entre as pessoas que assistiam, uma indignação não contra os actos do tenente, mas contra a condenação que o atingia. No dia posterior ao do julgamento chegaram cem mil telegramas à Casa Branca: eram cem contra um a favor de Calley. Colocaram-se bandeiras americanas a meia haste em sinal de luto e de vergonha. O governador do estado de Indiana, Edgar Witcomb, veterano da Segunda Guerra Mundial, decretou luto público. Lester Maddox, vice-governador da Geórgia, assumiu um tom patético no decurso de uma conferência em que se reclamou a libertação de Calley em grandes gritos: «Deus abençoe o tenente Calley, que lutou pela causa da nação.» George Wallace, ex-candidato à presidência e actual governador do Alabama, declarou que considerava uma honra ter apertado a mão ao tenente Calley, a quem fizera uma visita espectacular. Tudo porque as vítimas do Vietname, inclusive civis, mulheres e crianças, tinham sido mortas para destruir o comunismo. Foi composto um hino guerreiro sobre o caso, cuja primeira estrofe é a seguinte: «O meu nome é William Calley, sou um soldado deste país que jurei cumprir o meu dever e vencer, mas chamaram-me um canalha...» Em três dias venderam-se cem mil discos e numa semana um milhão. As associações de veteranos recolheram somas enormes para Calley e transmitiram-lhe mensagens de simpatia. As antenas dos carros ostentavam folhetos que pediam a libertação de Calley. Milhares de homens foram apresentar-se às autoridades militares e acusaram-se de ter cometido crimes análogos. O «Diabo Verde», Robert Marasko, comovido pela condenação de Calley, decidiu anunciar na televisão que matara recentemente um espião do Vietname do Sul por ordem da C. I. A. Era assim e não podia fazer nada mais do que confessar. Os jornais declararam luto. O reverendo Michael Lord viu o reviver da paixão de Cristo no caso Calley. Declarou publicamente: «Há dois mil anos crucificaram um homem chamado Jesus Cristo; não acho que tenham necessidade de uma nova crucificação.» Uma indagação junto do público revelou que oito em cada nove americanos consideravam a condenação de Calley injusta.
O presidente dos Estados Unidos passou uma noite em claro e, depois, decidiu fazer sair Calley da prisão e mandá-lo para casa sob vigia. Declarou que, na sua qualidade de chefe supremo do exército, se reservava a última decisão sobre o assunto, dado que todos os meios judiciais estavam esgotados. Os militares responsáveis — não falo dos acusados, mas dos seus juízes — viram-se objecto de insultos sistemáticos. As famílias foram alvo de calúnias e ameaças e a polícia teve de as tomar à sua guarda. Depois de subtraídos à reclusão imposta ao júri, os dignos oficiais não entendiam a emoção geral.
Há anos a jurisdição militar tinha condenado, sem que por isso se tornasse objecto da atenção pública, algumas dezenas de soldados e oficiais por crimes análogos, se bem que não de tanta carnificina, cometidos em operações no Vietname. O facto não despertara interesse nem causara objecções.
continuação: A violência no mundo moderno - II