A mensagem oculta dos meios de comunicação - Friedrich Hacker
Friedrich Hacker «Não te importes», diz o marido à mulher, que não assistiu à transmissão, pela televisão, da morte de Oswald — o assassino de Kennedy — por Ruby. «Dentro de alguns minutos vão repetir a transmissão.» Este momento dramático da história da televisão, referente ao assassínio do presidente, foi assim repetido continuamente até ficar bem retido na consciência do público como se se tratasse de uma imagem, a acompanhar uma frase publicitária ou uma cena de um apreciado filme de série.
Agressividade – a violência do mundo moderno
Lisboa, Livraria Bertrand, 1972
(excertos)
O mundo faz a sua aparição na casa, na sala de jantar, no quarto de dormir e, sobretudo, no quarto das crianças. A realidade e os seus slogans são convidados que se podem comandar à vontade pelo simples rodar de um botão. No país paradisíaco que é a televisão, a realidade é muitas vezes refundida, pouco importa como. Pode-se repetir, estilizar e dramatizar a realidade como se quiser. Não há, no entanto, hipótese de se lhe fugir. A televisão é uma espécie de produto maleável que se pode adaptar ao gosto e ouvido de cada um e condimentar de violência. Pode-se mastigar sem ter necessariamente de se digerir, pode-se estar ocupado sem ter de se fazer nada. A atenção encontra-se presa sem se concentrar em qualquer coisa de particular. É uma droga a que nos habituamos sem dar por isso.
O prazer dos adultos constitui material de instrução para as crianças. O professor electrónico, para pequenos e grandes, ensina às crianças como é o mundo e informa, simultaneamente, os adultos sobre o que se passa. Às vezes falta-se à escola mas nunca à emissão televisionada. A paciente baby-sitter, a estimada pedagoga de todas as horas, tornou-se a fonte de informação, explicação, publicidade e influência do comportamento mais importante da nossa época. O facto de se gostar de ver as crianças não implica, obrigatoriamente, que se goste de as ouvir. Hoje, porém, esse problema não existe. Elas ficam absorvidas pelo pequeno écran, como que petrificadas; não têm perguntas a fazer, nada a dizer nem a contestar. Para a criança, o pior castigo é a proibição de satisfazer esta sua necessidade que não lhe exige esforço e lhe dá prazer. Os últimos restos da autoridade dos pais em breve passarão a expressar-se mediante privação de uma emissão de televisão, privação que poderia, no entanto, forçar a criança, actualmente condicionada pelos clichés televisivos, a desenvolver e experimentar os seus sentimentos próprios e autónomos.
Nos programas americanos televisionados, são transmitidos actos de violência extrema de 16,3 em 16,3 minutos, sem contar com os desenhos animados que lançam para o ar os nossos bonecos favoritos, que se tornam heróis de verdadeiras orgias de crueldade. As apreciadas criaturinhas disparam umas sobre as outras e espezinham-se de dois em dois segundos. O rato, o gato, o crocodilo e o monstro são fulminados, destruídos, pulverizados, e tudo continua alegremente, como se nada se tivesse passado. A violência, até quando levada a extremo, aparece como inofensiva e mesmo imbuída de um tom cómico. Não se fazem comentários ao sofrimento das vítimas e à tragédia da sua morte. As crianças, constantemente bombardeadas com estes exemplos, apegam-se-lhes com zelo e, mais tarde, virão a utilizar a violência contra os seus adversários humanos, a quem descerão ao nível de cães capitalistas ou porcos comunistas, fazendo-os sair projectados dos aviões e obtendo, assim, frequentemente um prazer divina.
Desde os cinco aos quinze anos a criança americana assiste à aniquilação total de cerca de 13400 pessoas. As emissões televisionadas e os programas cómicos convidam à imitação. Mobilizam e dão forma ao modo infantil, permitindo ao receio cristalizar-se sob forma desse monstro inimigo que se poderá aniquilar impunemente.
Os pais, fatigados e sobrecarregados de trabalho, dificilmente podem entrar em concorrência com os programas televisionados de diversão, sempre movimentados, excitantes e fantasistas. Deixou-se de aprender as boas maneiras à mesa com a família para se passar, frequentemente, à repetição do que se vê na televisão. O infatigável convidado fantasma definirá o prato favorito, a alimentação mais sã, o presente que se deseja e o vestuário que se deve usar. Ao exortarem aberta ou implicitamente a que os imitem, as personagens da televisão tornam-se modelos: esquemas de comportamento, de conflitos, de solução de conflitos e de moral. Não passam, frequentemente, de modelos ou manequins de violência.
As revistas, as bandas desenhadas, e a televisão ajudam a passar o tempo e fazem-no com uma eficácia tanto maior quanto mais os roubos, os incêndios e os assassínios — sem falar de sexo — são focados. O efeito de imitação é o mesmo, quer as cenas de violência sejam focadas num estúdio ou provenham da vida real, até mesmo nos casos em que esta diferença é pouco perceptível. Graças a experiências em grupos de crianças de idades diferentes, Bandura e, mais tarde, Berkowitz puderam provar que a incitação à violência originada por exemplos de agressão é o mesmo, quer estas cenas de violência, que se prestem à imitação, ocorram na vida real, em filmes ou em bandas desenhadas.
O comportamento agressivo, tal como muitas outras formas de comportamento, tende a alargar-se e a generalizar-se. Uma vez aprendido e praticado será aplicado e empregue noutras situações. A afirmação é válida para todas as crianças e a maioria dos adultos.
Nos nossos dias, a televisão americana produz, tanto nas crianças como nos jovens, e ao longo das suas fases de desenvolvimento, um efeito semelhante ao de três a cinco horas de interrogatório feito pela polícia, torturas e lavagens ao cérebro.
A violência é o meio menos dispendioso para se obter e estimular a atenção da média dos leitores, auditores e telespectadores, mesmo que não sejam cultos, e para proporcionar tensão, surpresa e choque ao seu espírito fatigado, sedento de distracção. A crueldade e as situações de violência levada a extremo são excitantes e provocam adesão ou repulsa.
Mesmo nos momentos em que não aparece visível em plena luz do dia, a violência é o misterioso mensageiro dos meios de comunicação. Ao legitimar-se, a violência torna-se virulenta, contagiosa e irresistível. A boa causa ganha sempre. O herói ganha; o sucesso justifica todas as vitórias e faz do vencedor um herói. O vencedor torna-se e permanece aquele que utiliza a violência primitiva e sem escrúpulos antes dos outros e mais fortemente do que eles. Quem triunfa é o mais rápido a desembainhar a espada ou a puxar o gatilho. O fim justifica os meios e, por outro lado, a ulterior possibilidade de justificação pelo sucesso poderá servir de afirmação de inocência absoluta e deforma toda a apreciação de realidade e tipos de juízos de valor que sobre ele assentam. E, finalmente, se todos os problemas importantes, desde a política ao amor, só se conseguem resolver pela violência, é tão realista como vantajoso fazer actuar a violência de forma eficaz, quer dizer, pronta e maciçamente.
Porque esperar que o rival real ou potencial (portanto, praticamente, todas as pessoas) adquira força e se tome desconfiado? Mais vale atacar imediatamente, antes que o rival se possa tornar perigoso. A agressão primitiva e a repressão de" todo o embrião de resistência aparecem, assim, como uma lei da prudência e da organização. A guerra-relâmpago preventiva é, em caso de sucesso, a solução mais humana, porque tudo termina rapidamente.
A fim de que os processos sociais de apreciação não degenerem numa afirmação estereotipada do poder e em certeza da legitimidade, as possibilidades de manipulação dos meios de comunicação não devem ser contestadas nem dissimuladas, mas torna-se necessário analisar e determinar as condições mais apropriadas para que os meios de comunicação ponham em evidência e concretizem os problemas sociais. Os espectadores e auditores, que, pela alienação da sua própria vontade, contribuem através da sua passividade para a ajuda dos meios de comunicação, devem tornar-se participantes activos e responsáveis voluntários pelos acontecimentos sociais a fim de que os peritos de influência nos meios de comunicação não sejam os únicos a determinar as nossas imagens e a nossa realidade como uma nova classe de mandarins de informação através da imagem.