segunda-feira

O baile das flores - Sigrid Laube

— Hoje vou ao baile das flores — anunciou o repolho. — Quem quer vir comigo?
— Ao baile das flores? — sussurrou a cebola, horrorizada. — Para que é que temos o nosso Baile da Salada Russa? É muito mais divertido!
— Tu ficas bem entre iguais — disse a alface. — O teu lugar é aqui e tudo mantém a sua devida ordem.
O pepino anuiu sabiamente com a cabeça.
— Cautela com as flores do jardim do outro lado da cerca — continuou a alface. — Andam de nariz levantado e olham-nos de cima para baixo. Não passam de ervas sentadas em vasos!
— Não queremos ter nada a ver com elas — disseram as ervilhas. Um arrepio percorreu-lhes as vagens e tilintaram, venenosas:
— Aquelas perfumadas da horta não passam de umas campainhas de enfeite…
— Mas o que é que vocês todos têm contra as flores? — suspirou o repolho tristemente. — Eu gostava muito de ir ao baile delas mas, sozinho, não me atrevo.
— Eu não tenho nada contra as flores. Só têm um aspecto diferente do nosso e às vezes não cheiram tão bem como nós — disse a cenoura pensativa. E calou-se por um momento.
— Sabes que mais? Também vou contigo — decidiu, com um estremecimento da raiz à ponta das folhas.
— Óptimo!
O repolho limpou as folhas e enfeitou-se com uma peninha. A cenoura encontrou uma linda máscara para si.
— Mas que bonitos que vocês estão! — elogiaram os rabanetes e, de repente, deixaram de ter caras coradas e alegres.
O repolho empertigou-se e ofereceu à cenoura um braço forte.
— A menina vem?
Ela acenou com a cabeça, animada, e, de pé leve, deixaram a horta.
No baile, a animação já tinha começado. As flores tinham pedido ajuda ao galo, às galinhas e ao salgueiro. Os grilos cantavam com afinco e os pardais chilreavam ritmos quentes. A água espumava e borbulhava. Alguém tinha aberto a pipa da água da chuva e o escaravelho servia-a aos convidados.
Sentado à entrada, o cão de guarda meneava a cabeça. — Os convidados já estão um bocadinho tocados!…
Repolho e cenoura passeavam pelo baile e iam cumprimentando à direita e à esquerda.
— Quem são estes? — cochichava um cravo a uma tulipa mais velha.
Esta olhou por cima dos óculos e torceu o nariz.
— Legumes, diria eu…
O cravo ficou sem poder respirar e coçava as pétalas, atónito.
— Mas que horror! — exclamou. — Legumes crus no nosso baile. Que indecência!
— Mas o que é que eles têm de vir aqui fazer? Foram ao menos convidados? — queria saber uma rosa.
— Mas que gente tão simplória, não acha, minha querida?
O rosmaninho fez uma vénia perfeita em frente da rosa e levou-a para a pista de dança. Ela ainda era jovem e vermelha.
— Devíamos pô-los daqui para fora. Onde é que já se viu, legumes desconhecidos no nosso baile! — a rosa canina endireitava-se, pronta a picar. — Que gentinha miserável, que ervas insignificantes!
— Nem mais! Não passam de mergulhadores de sopa sem graça, e de pastéis mal-cheirosos — um malmequer arrepiava-se todo, já meio enjoado.
O repolho ouvia o falatório e os cochichos, e reparava como as rosas se encolhiam, os cravos tremiam de indignação e um amor-perfeito até tivera um ataque de soluços.
— Parece eles não gostam de nós — disse à cenoura.
— É pena. A música deles é tão bonita — respondeu a cenoura, sonhadora. Cheirou o ar à sua volta. — E há um perfume no ar. É fantástico!
Pensou um pouco.
— Fizemos-lhes algum mal? — perguntou ao repolho.
— Não. Fizeram-nos eles algum mal? — perguntou ele.
— Não — respondeu a cenoura.
— Então pronto, ninguém tem razões para estar zangado.
O repolho sentiu-se mais tranquilo e confiante. Compôs a pena e fez uma vénia à cenoura.
— Estou tão só, menina — disse. — Dá-me a honra?
A cenoura sentiu-se feliz. A noite estava morna, a luz era suave e os pirilampos estavam bem-dispostos. A lua rolou no céu e apareceram estrelas, curiosas. Era uma noite perfeita.
A cenoura piscou-lhe um olho através da máscara. — Será um prazer — disse, estendendo-lhe uma folha delicada.
Misturaram-se com os bailarinos. Um gladíolo recuou quando os viu, e chegaram a pisar os pés de uma dália.
— Se ao menos fossem ervas daninhas — suspirou uma glicínia — ainda floriam quase como nós — mas calou-se, admirada.
O repolho tinha agarrado a cenoura pela cintura e dançavam uma animada rumba-feijoca. Em seguida, deslizaram um maravilhoso tango-pepino e, por fim, saltaram ainda um elegante cha-cha-cha-piri-piri. A cenoura ia ficando sem fôlego, mas seguiu-o corajosamente e não caiu uma única vez. Os dois formavam um par bonito de se ver e as flores aplaudiram, a contra-gosto.
Depois de ver isto, lírio ousou por fim dirigir-se à cenoura e o repolho convidou uma margarida para dançar. Tocou-se uma valsa encantadora. Depois, a cenoura dançou um galope com um manjerico e o repolho foi buscar a gerbera para uma animada polca.
Foi uma bela noite.
Todos puderam conversar, conhecer-se e cheirar-se.
— Nós vamos convidar-vos para a nossa Salada Russa — prometeu o repolho ao despedir-se.
— E vocês voltam no próximo baile, não é? — perguntou o lírio diligente, que tinha deitado uns olhinhos à cenoura.
Os dois entraram em casa em bicos de pés. Estavam felizes, muito cansados e não queriam acordar ninguém.
Quando o repolho estava quase a adormecer murmurou:
— Quem diria? Tenho de escrever a história desta noite para nunca a esquecer.
— E eu desenho-te algumas imagens — sussurrou a cenoura — e ficamos com um livro.
Os olhos fecharam-se-lhe. — E um dia mais tarde havemos de lê-lo aos nossos netos.
E começou a ressonar baixinho.




Sigrid Laube; Silke Leffler
Der Blumenball
Wien, Annette Betz Verlag, 2005

Texto adaptado